ANTÍGENO PROSTÁTICO ESPECÍFICO (PSA)
O marcador tumoral de maior utilidade clínica desenvolvido até hoje é o PSA. Costuma-se dividir o tratamento do câncer de próstata em duas eras: a era pré-PSA e a era pós-PSA, tal a mudança provocada pela sua adoção no diagnóstico e no tratamento desta neoplasia.
O PSA é secretado no lúmen dos ductos prostáticos, estando presente em grandes concentrações no líquido seminal (aproximadamente 2 mg/ml). Aparentemente, teria a função de liquefazer o coágulo seminal.
Histologicamente, o PSA é produzido pelas células epiteliais dos ductos e ácinos da glândula prostática. Estudos imunoistoquímicos demonstraram que o PSA é encontrado no tecido prostático normal, na hiperplasia prostática benigna (HPB) e no câncer de próstata, tanto localizado na próstata como na forma de metástases. Antigamente, pensava-se que o PSA fosse produzido exclusivamente pela próstata. Hoje sabe-se que o PSA também é produzido por glândulas periuretrais e por outras glândulas de origem cloacal, inclusive resíduos glandulares em mulheres. Além disso, o PSA parece ser produzido em quantidade muito pequena por outros tipos de tumores. Entretanto, a produção de PSA por tecidos extraprostáticos é ínfima. Na prática, considera-se que o PSA seja produzido somente por tecido derivado da próstata.
O PSA é encontrado no soro em três formas: ligado à alfa-2-macroglobulina, ligado à alfa-1-antiquimiotripsina e na forma livre. Cerca de 40% do PSA está ligado à alfa-2-macroglobulina, não sendo detectado pelos métodos de exames. Os 60% restantes encontram-se ligados à alfa-1-antiquimiotripsina ou na forma livre2. A proporção entre o PSA ligado à alfa-1-antiquimiotripsina e a forma livre no soro geralmente é de 4 para 1, mas esta proporção pode variar significativamente na HPB e no câncer de próstata, como será discutido posteriormente.
UTILIDADE DO PSA NO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER DE PRÓSTATA
A questão da realização de rastreamento na população masculina acima de 50 anos, assintomática, é motivo de grande controvérsia.
Algumas sociedades médicas recomendam-no, com a justificativa de que o diagnóstico precoce proporcionaria aumento na sobrevida global3.
Por outro lado, outras sociedades médicas desaconselham-no, alegando que o rastreamento ocasionaria o diagnóstico do câncer de próstata em pacientes que viveriam toda a sua existência com a doença, mas desconhecendo-a, sem nenhum sintoma ou complicação4. Desta forma, o diagnóstico poderia implicar tratamento desnecessário, provocando morbidade e ansiedade, sem ganho na sobrevida.
Assim sendo, até que grandes estudos em andamento sejam concluídos, continua controversa a realização do rastreamento, de maneira que os pacientes devem ser informados dos riscos e benefícios envolvidos com esta abordagem.
Muitos estudos demonstraram que o PSA é útil para o diagnóstico do câncer de próstata. Em geral, o valor preditivo positivo do PSA é de 20% em pacientes com valores ligeiramente elevados (entre 4,0 e 10,0 ng/ml), e de 60% em pacientes com valores de PSA superiores a 10 ng/ml5.
A utilização do PSA é otimizada quando combinada ao exame de toque retal. Em estudos que investigaram o uso do PSA e do exame de toque retal, observou-se que 18% dos tumores não teriam sido diagnosticados se o exame de toque retal não tivesse sido realizado, e que 45% dos tumores teriam passado despercebidos se o PSA não tivesse sido feito. Estudos mostraram que o ultra-som transretal pouco acrescenta ao PSA e ao exame de toque retal quando estes dois são usados conjuntamente para o diagnóstico, devendo ser solicitado somente em caso de alteração de um dos dois exames6.
Uma estratégia para aumentar a especificidade do PSA é determinar a porcentagem de PSA livre no soro, que estaria mais elevada na hiperplasia prostática benigna. Catalona demonstrou que o número de biópsias desnecessárias em pacientes com valores de PSA entre 4,0 e 10,0 ng/ml seria reduzido se fosse adotado um valor limite de 25% ou menor de PSA livre7.
Outra estratégia seria calcular a densidade de PSA (PSAD), de acordo com o cálculo do volume da glândula prostática pelo ultra-som transretal. PSAD seria a proporção entre o valor de PSA e o volume da próstata. Valor maior que 0,15 seria indicativo de biópsia8. Entretanto, como a variável do cálculo do volume prostático é examinador e aparelho-dependente, ainda não foi demonstrado que este método seja mais útil do que a medida de PSA isolada.
USO DO PSA PARA ESTADIAMENTO
A medida do PSA é fundamental para o estadiamento do paciente com carcinoma de próstata.
Vários estudos mostraram que cerca de 80% dos pacientes com concentração de PSA menor que 4 ng/ml possuem tumor restrito à próstata. Por outro lado, metade dos pacientes com PSA maior que 10 ng/ml apresentam extensão extracapsular, e a maioria dos pacientes com PSA superior a 50 ng/ml apresenta metástases para linfonodos pélvicos9. Entretanto, exceto para valores extremos, o PSA não é suficientemente preciso para, de maneira isolada, estadiar o paciente.
Na avaliação inicial de um paciente com diagnóstico recente de câncer de próstata, a determinação do estadiamento é bastante aprimorada quando, juntamente ao PSA, utilizam-se o grau de Gleason e o estadiamento clínico. Nomogramas têm sido feitos para predizer a probabilidade do tumor estar confinado à próstata de acordo com os valores de PSA, grau histopatológico de Gleason e estádio clínico. Por exemplo, com um valor de PSA inferior a 4 ng/ml, grau de Gleason baixo e doença estádio clínico T1, T2A ou T2B, a probabilidade de o tumor estar confinado à próstata seria de 73%. Ao contrário, um paciente com PSA inferior a 4 ng/ml, mas com tumor de alto grau e estádio clínico T3, teria a probabilidade de somente 23% de apresentar tumor confinado à próstata10.
Estudos também demonstraram que em pacientes com PSA menor do que 10 ng/ml e sem dor óssea, a probabilidade da presença de metástases ósseas é de praticamente zero, sugerindo que a realização de cintilografia óssea seja dispensável11. Entretanto, se o grau de Gleason e/ou o estádio clínico são altos, a solicitação da cintilografia óssea é prudente, mesmo em pacientes com PSA inferior a 10 ng/ml.
USO DO PSA APÓS PROSTATECTOMIA
Espera-se que um paciente submetido à prostatectomia radical apresente PSA próximo a zero (até 0,2 ng/ml) após o procedimento, já que toda a próstata teria sido removida.
Vários estudos demonstraram que elevações dos níveis de PSA após a prostatectomia ocorrem meses a anos antes dos sinais clínicos de recorrência, indicando persistência da doença.
D’Amico et al. demonstraram que os fatores preditivos para aumento do PSA após prostatectomia (risco de escape de PSA de 67% em três anos) seriam PSA > 20 ng/ml, grau de Gleason maior ou igual a 8 e ressonância magnética nuclear positiva para doença extraprostática12.
Estudo realizado no Johns Hopkins Institute em cerca de dois mil pacientes submetidos a prostatectomia radical mostrou que 315 (15%) desenvolveram elevação de PSA em dez anos. Onze pacientes receberam hormonioterapia logo após a recorrência e foram retirados da análise. Dos 304 pacientes restantes, 103 (34%) desenvolveram metástases ósseas. O tempo mediano para a ocorrência de metástases após a elevação de PSA foi de oito anos. Na análise de sobrevida, o tempo para progressão bioquímica, o grau de Gleason e o tempo para duplicação do PSA foram preditivos da probabilidade para o desenvolvimento de metástases ósseas13.
A radioterapia tem sido empregada no tratamento de pacientes com elevação de PSA após prostatectomia e propicia queda de PSA para níveis indetectáveis em cerca de 50% dos pacientes, porém à custa de toxicidade não desprezível. Pacientes que persistam com valores de PSA detectáveis imediatamente após a prostatectomia e que apresentem níveis de PSA com rápido crescimento raramente apresentarão remissões duráveis dos níveis de PSA com a radioterapia, não obtendo benefício com este tratamento.
USO DO PSA APÓS RADIOTERAPIA
Ao contrário do que ocorre após a prostatectomia radical, níveis detectáveis de PSA podem se originar de tecido prostático normal residual. Espera-se que a queda do PSA seja lenta e gradual, ocorrendo o nadir de meses até três anos após a radioterapia. Como a radioterapia provoca redução do volume prostático após a irradiação, o valor considerado como normal após a radioterapia é bem menor que o padrão (4 ng/ml), e muitos autores o definem como em torno de 1 ng/ml.
A queda do PSA após a radioterapia em pacientes que respondem ao tratamento é lenta, com ocorrência do nadir entre um a três anos.
Oscilações para mais e para menos dos níveis de PSA podem ocorrer ocasionalmente. A ASTRO (American Society of Therapeutic Radiology and Oncology) define falha bioquímica como três elevações consecutivas do PSA após a ocorrência do nadir. Horwitz et al. demonstraram que a falha bioquímica (progressão dos níveis de PSA) após a radioterapia tinha importância clínica; 586 pacientes portadores de câncer de próstata localizado foram submetidos à radioterapia externa. Utilizando os critérios da ASTRO para falha bioquímica, os autores observaram que a sobrevida livre de doença e a sobrevida causa-específica após cinco anos eram de 99% e de 98% nos pacientes com PSA controlado, e de 64% e de 86%, respectivamente, nos pacientes com falha bioquímica (p < 0,001)14.
USO DO PSA APÓS TRATAMENTO HORMONAL DO CÂNCER DE PRÓSTATA METASTÁTICO
A grande maioria dos pacientes com carcinoma prostático metastático (cerca de 98%) apresenta níveis aumentados de PSA.
O PSA é um bom marcador para avaliação da resposta ao tratamento. A normalização ou redução de mais de 90% dos níveis de PSA indica resposta à hormonioterapia. Um estudo demonstrou que pacientes que obtiveram nadir inferior a 4 ng/ml apresentaram maior sobrevida (mediana de 42 meses) do que aqueles que tiveram nadir maior que 4 ng/ml (sobrevida mediana de 10 meses)15.
USO DO PSA EM PACIENTES HORMÔNIO-REFRATÁRIOS EM QUIMIOTERAPIA
Existe controvérsia na utilização do PSA para avaliação da resposta à quimioterapia. Alguns autores sugerem que a produção de PSA pelo tumor poderia ser inibida por alguns agentes, como a estramustina, sem correspondente redução do tumor. Entretanto, alguns estudos indicam que o PSA é útil para avaliação da resposta à quimioterapia. Small et al. demonstraram que em pacientes tratados com hidrocortisona isolada ou hidrocortisona mais suramina, o declínio do PSA em mais de 50% após o tratamento estava associado com maiores sobrevida mediana e sobrevida livre de doença16.